Empatia: Só quem sabe a dor do calo é quem calça o sapato!

As pessoas que me conhecem há muito tempo, com certeza devem reparar que mudei minha forma de pensar em muitas coisas. E muitas pessoas que não gostavam de mim na época da faculdade talvez tenham razão em não gostar de muitas coisas que eu dizia ou pensava.

Não me arrependo de tudo, algumas coisas ainda carrego, mas muitas outras eu deixei para trás. E acho que o grande propósito desta reflexão é entender por quais motivos mudei meu pensamento.

Por muito tempo achava que estava agindo da forma correta, algumas das minhas ações ou pensamentos não eram bons, mas seguia achando que estava bom daquele modo.
Vivia em uma bolha e para mim ninguém era tratado de forma diferente por conta de sua etnia ou credo. Vivia em um ambiente de classe média de São Caetano do Sul e estudava em uma universidade pública, ambientes que estão muito longe de representar uma parcela significativa da população brasileira.

Quando comecei a trabalhar a bolha estourou, conheci pessoas novas e passei a entender a história de cada uma delas, passei a ouvi-las e tomar conhecimento de suas limitações. Das oportunidades que perderam e o mais importante de tudo, as oportunidades que eu tive e que essas pessoas nunca tiveram.

Descobri no ambiente de trabalho que algumas pessoas não gostam de contratar pretos, de forma conscientes ou não, não acreditam que possam ser profissionais de qualidade. Um colega com o mesmo cargo que o meu foi tratado como o funcionário da assistência técnica da impressora. Não que o técnico não tenha seu valor, mas por qual motivo não poderia ser um engenheiro? A pessoa que o confundiu não é má pessoa, mas reproduziu conceitos que vêm de forma inconsciente. Como não aceitamos que temos essa “maldade” inconsciente em nós, muitas vezes, demoramos ou recusamos a nos corrigir. Uma amiga que admiro muito, inteligente e preparada para liderar equipe, ao se candidatar a uma vaga na empresa foi preterida por um profissional medíocre cuja reputação vinha apenas de bajulação e de trabalho sem escrúpulo. Entendi da forma dolorosa que o machismo estava próximo a mim.

São inúmeras histórias que fizeram desmontar as certezas que eu tinha, inclusive de ações afirmativas, que achava que geravam conflito para darem crédito a quem de fato merecia. Mas, trabalhando em empresa de grande porte as ações afirmativas me colocaram diante de realidades que muitas vezes nos recusamos enxergar. Para enxergar precisamos parar para refletir sobre nosso próprio comportamento.

A sua bolha também já estourou?

Ações afirmativas são “Políticas públicas feitas pelo governo ou pela iniciativa privada com o objetivo de corrigir desigualdades raciais presentes na sociedade, acumuladas ao longo de anos.” Tais ações seriam cotas? Sim, são cotas. Mas, isso apenas separa e promove mais segregação, não é? Bem eu acreditei por muito tempo nisso também. Porém, devemos considerar que o sistema tradicional não promove a competência. Se você acredita que sim, ou você desconhece a competição predatória do mundo corporativo ou é beneficiado por ela. Existem pessoas competentes que não avançam por não aceitarem as regras dessa competição, o que implica obviamente, em perda de eficiência para a empresa.

Fora do mundo corporativo, eu também percebi o quanto estava errado. Acreditava que alguns comentários vulgares sobre mulheres eram elogios e acreditava que todas as pessoas pensavam como eu. Uma grande amiga me disse certa vez: “isso me faz sentir como se fosse apenas um pedaço de carne sem nenhuma outra qualidade”. Rapazes, parem para observar essas qualidades que não se notam pelos olhos e vocês vão ver como vale a pena, como podem mudar os relacionamentos.

Enfim, creio que era necessário sair da bolha e conviver com o mundo real e ver as pessoas com um pouco mais de empatia. Perceber que nem todos tem a mesma vida que nós, que pouquíssimas tiveram as oportunidades que nós tivemos.

Mas, eu virei feminista? Não, não quero créditos na luta feminina, apenas deixei de atrapalhar ou falar bobagens que não contribuem para a luta delas. Nos movimentos de luta por equidade quero me envolver em  assuntos de imigração, pois me atinge de forma particular. 

Aos que ofendi ou que ainda possa ofender por ignorância, peço desculpas. Aos que leram até o fim, agradeço. Aos que têm consciência disso, parabéns. E aos que se ofenderam ou balançaram a cabeça em reprovação lendo isso, peço que reflitam e observem o mundo de fora da bolha, afinal, como diz o velho ditado, só quem usa o sapato sabe onde o calo dói.

Reflexão de Rogério Kiyoshi Wakate Yonemura (Koshas)

fonte: https://www.facebook.com/, texto publicado em 24/janeiro/2021, publicação autorizada

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