Quando a gente pensa em algumas palavras do nosso idioma e suas terminações em “ismo”, logo associamos a algumas doenças que impactam negativamente o nosso convívio social, tais como: Racismo, fascismo, nazismo, machismo ou alcoolismo.
Quando eu tinha 15 anos uma colega de escola foi até minha casa para realizarmos um trabalho juntas, eu pedi que aguardasse enquanto eu finalizava as tarefas domesticas, ela concordou em esperar. Como ótima anfitriã que sou, ofereci-lhe uma agua, um café e uma pinga ( não necessariamente nessa ordem ). Ela ficou com o café!
Era um dia muito quente e de faxina, para entrar no clima do trabalho eu fiz uma “misturinha”: 1 litro de Cachaça somados a 2 litros de Refrigerante Cítrico. Coloquei tudo numa jarra com gelo e fiz todo meu trabalho doméstico, inclusive o da escola, eu estava me sentindo com super poderes.
Depois de alguns dias essa colega me convidou para uma reunião do AA – Alcóolicos Anônimos. Eu fiquei muito ofendida e contra-argumentei dizendo que eu só bebia aos finais de semanas, mas ela me devolveu o questionamento: “Se você beber 1 litro de cachaça por semana tendo apenas 15 anos, por quantos anos mais você terá um fígado em bom funcionamento?” E eu não tinha uma resposta para isso e também não fazia ideia para que servia um fígado que não fosse aquele acebolado e com muita farofa.
Eu não aceitei participar da reunião porque eu não conseguia entender que o individuo que precisa de 1 litro de álcool para cumprir minimamente suas obrigações não é uma pessoa é um OPALA. Contudo, eu fiquei observando meu comportamento em relação a bebida e notei algumas coisas que eu nunca havia notado, se não fosse o alerta dessa colega.
1 – Eu bebia mais de 1 litro de cachaça por semana, não bebia mais por falta de dinheiro.
2 – Tudo que eu entendia como lazer e divertimento estava ligado ao consumo de álcool
3 – Tudo que eu entendia como tédio e obrigações estava ligado ao consumo de álcool
4 – Somando as três opções acima o álcool estava presente 24 horas na minha vida
Quando essa consciência de excesso com a bebida se fez compreensível para mim, eu participei de uma reunião do AA , fiquei muito chocada com os depoimentos das pessoas. A maioria iniciou o consumo de álcool com minha idade e também não reconhecia a doença como doença. A aparência física deles era de sofrimento e a doença afetava não somente a eles, mas toda a família que sofria com o comportamento da pessoa.
O medo de tornar-me aquela pessoa que eles transfiguravam, me fez entender que eu precisava tomar uma decisão. Então eu iniciei o jejum 4C dentro da quaresma. Eu fiquei 40 dias sem CAFÉ, CARNE, CHOCALETE e CACHAÇA.
A primeira semana foi a mais difícil, eu fiquei com todos os sintomas da abstinência, meu humor era péssimo, minha paciência e tolerância eram zero, para dormir parecia um pesadelo e ficar acordado um castigo. Minha relação com tempo e espaço ficou comprometida, os 40 dias pareciam 40 semanas. Quando chegou o Domingo de Ramos em que eu já teria cumprido o período do jejum, eu resolvi permanecer mais uma semana, até o domingo de pascoa em jejum. E até hoje eu nem sei por que eu fiz isso.
No domingo de pascoa eu quebraria o jejum, estava tudo certo para ir a um churrasco com os colegas e “estourar a boca do balão”… Mas, quando chegou o tão esperado Domingo de Páscoa, aconteceu algo inacreditável!
Eu não tive vontade de comer carne, me limitei a alguns pedaços de frango, peixe, pão de alho e farofa, também não tive vontade de ingerir álcool, e meus colegas que sabiam que eu estava jejuando compraram bebida alcóolica em menor quantidade, então bebi apenas suco e água. O melhor de tudo, eu não me diverti menos por não beber e nem me senti fora do contexto. Eu estava me sentindo VIVA e muito agradecida.

Assim como para mim o alcoolismo não era óbvio, para muitas outras pessoas pode não ser também. Eu tive a sorte de ser despertada com antecedência e meu olhar crítico sobre os impactos negativos que essa droga lícita trás me fizeram tomar outras decisões. Não deixei de beber depois desse jejum, mas, hoje, eu tenho consciência dos meus limites e entendi que beber não irá preencher o vazio de emoções que ainda não foram compreendidas.
Deixo meu depoimento como alerta para todos que estão em quarentena em casa ou fora dela e que acabam por buscar algum conforto de suas aflições na bebida alcóolica. O número de violência doméstica aumentou gritantemente nesse período, e não raro, essa agressão está atrelada ao abuso de álcool e de outras drogas. O Fato de estar em casa deu abertura para que pessoas façam seus “happy hours” de segunda a segunda.
O único álcool herói nessa pandemia é o álcool em gel 70% que não é para você beber, é para higienização do ambiente e das mãos.
Não tentem esquecer seus problemas se anestesiando com álcool. Busque ajuda profissional para cuidar das suas emoções. Eu recomendo o aplicativo CINGULO, qual você pode acessar ajuda imediata através de terapia guiada e sua função SOS – Covid
Se você tem uma pessoa próxima enfrentando problemas com alcoolismo eu indico o trabalho do ALANON, voltado para fortalecimento e letramento das famílias.
http://www.al-anon.org.br/literatura.html
E recomendo muito que escutem o podcast da TERAPIA SUPER
Podcast Terapia #9 – Violência doméstica e alcoolismo no isolamento
Já usei esse aplicativo. Me ajudou muito.
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Mariza, obrigada por contribuir com seu comentario.
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O problema é que esse país, nos dias de hoje, nos obriga a beber. 15 anos? Nossa, começou cedo na bebida. Mas parabéns por ter percebido o perigo do uso de álcool de forma descontrolada.
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GDD – muito obrigada por seu comentario. Sim, eu tive sorte de despertar e tenho esperança que meu depoimento ajude alguem a despertar tambem. Gratidao.
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